Artigo
Por Luna Rodrigues Freitas Silva - Psicóloga clínica. Mestre em Saúde Coletiva pelo IMS–UERJ.Endereço eletrônico: lunarodrigues@yahoo.com.br.
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RESUMO
Este artigo trata das inovações acerca dos modos e das experiências de envelhecer que se vêm configurando nos últimos anos. Hábitos, imagens, crenças e condutas atreladas ao envelhecimento vêm–se alterando de forma significativa, determinando o surgimento do que se convenciona chamar de experiência da terceira idade. Mas, ainda que represente inovação e, sob muitos aspectos, seja descrita como uma reformulação extremamente positiva das possibilidades de envelhecer, o surgimento da terceira idade gera também questionamento e debate. Para compreender o estatuto desta experiência que surge no cenário contemporâneo, procederemos a um mapeamento da discussão acerca da terceira idade na literatura especializada, mais especificamente no que se refere a seu caráter de inovação em relação à identidade da velhice. Três hipóteses se destacam nesta análise: a primeira sugere que a terceira idade pode ser entendida como uma nova identidade, autônoma e diferenciada da identidade da velhice; a segunda, que seu surgimento pode ser compreendido como uma negação social da velhice propriamente dita; e, finalmente, a terceira hipótese supõe que as características da terceira idade são tributárias da experiência geracional de determinado grupo social. As principais hipóteses de entendimento da terceira idade são apresentadas e discutidas tendo em vista as possibilidades de criação, diversificação e inovação da experiência subjetiva.
Palavras–chave: envelhecimento; identidade; terceira idade.
Introdução
Palavras–chave: envelhecimento; identidade; terceira idade.
Introdução
Ao observarmos o processo de envelhecimento na contemporaneidade, identificamos o surgimento de condutas, hábitos, crenças e imagens que alteram significativamente as concepções tradicionalmente associadas às etapas mais tardias da vida. No lugar das tradicionais imagens que articulavam o envelhecimento somente ao descanso, à quietude e à inatividade, surge um modelo identitário que inclui, em sua definição, o estímulo à atividade, a aprendizagem, a flexibilidade, o aumento da satisfação pessoal e a formação de vínculos afetivos inéditos.
Estas características estão reunidas sob o signo da "terceira idade", o rótulo que vem sendo utilizado para identificar a nova sensibilidade que passa a compor o processo de envelhecimento. No entanto, a inovação trazida pelo fenômeno da terceira idade é não só valorizada, mas também muito criticada, tanto nos meios acadêmicos dedicados ao seu estudo como em outros setores da sociedade. Pode–se verificar que a terceira idade gera polêmica e discussão. Mas, do que trata esta polêmica? Quais são os principais argumentos que permeiam o debate? Como vem sendo qualificado o fenômeno da terceira idade?
Neste artigo, pretendemos mapear a discussão sobre o fenômeno da terceira idade na literatura especializada, especialmente no que se refere à sua inovação em relação aos modelos de envelhecimento até então vigentes. O debate acerca do fenômeno da terceira idade inclui a suposição de que a mesma pode ser entendida como uma nova identidade, autônoma e diferenciada da identidade da velhice; que o seu surgimento representa, de fato, uma espécie de negação social da velhice propriamente dita; e, ainda, que o fenômeno que a constitui é a experiência de envelhecimento de uma geração específica, não passível de transposição para futuras gerações. Deste modo, parece–nos possível acrescentar informações relevantes ao entendimento deste novo fenômeno, que transforma os modos de envelhecer e se apresenta como desafio para os profissionais empenhados em compreendê–los.
A terceira idade é uma nova identidade etária?
Estas características estão reunidas sob o signo da "terceira idade", o rótulo que vem sendo utilizado para identificar a nova sensibilidade que passa a compor o processo de envelhecimento. No entanto, a inovação trazida pelo fenômeno da terceira idade é não só valorizada, mas também muito criticada, tanto nos meios acadêmicos dedicados ao seu estudo como em outros setores da sociedade. Pode–se verificar que a terceira idade gera polêmica e discussão. Mas, do que trata esta polêmica? Quais são os principais argumentos que permeiam o debate? Como vem sendo qualificado o fenômeno da terceira idade?
Neste artigo, pretendemos mapear a discussão sobre o fenômeno da terceira idade na literatura especializada, especialmente no que se refere à sua inovação em relação aos modelos de envelhecimento até então vigentes. O debate acerca do fenômeno da terceira idade inclui a suposição de que a mesma pode ser entendida como uma nova identidade, autônoma e diferenciada da identidade da velhice; que o seu surgimento representa, de fato, uma espécie de negação social da velhice propriamente dita; e, ainda, que o fenômeno que a constitui é a experiência de envelhecimento de uma geração específica, não passível de transposição para futuras gerações. Deste modo, parece–nos possível acrescentar informações relevantes ao entendimento deste novo fenômeno, que transforma os modos de envelhecer e se apresenta como desafio para os profissionais empenhados em compreendê–los.
A terceira idade é uma nova identidade etária?
Peter Laslett (1989) foi um dos primeiros autores a propor o entendimento da terceira idade como uma nova e diferenciada etapa da vida, que se interpõe entre a idade adulta e a velhice propriamente dita1. Para o autor, as mudanças demográficas e, principalmente, o aumento da expectativa de vida trouxeram transformações surpreendentes para o curso da vida e exigiram a criação de novos "mapas de vida" (LASLETT, 1989, p.viii). De fato, a extensão do curso da vida torna disponível aos sujeitos algumas décadas ou, no mínimo, anos de vida, cujo sentido não está disponível no campo social e, portanto, precisa ser formulado. Laslett questiona: "como iremos utilizar essa inesperada, surpreendente liberação da mortalidade? Como iremos nos comportar agora que todos podemos esperar sobreviver a praticamente o limite natural máximo da vida, seja ele qual for?"2 (p. I).
Esta extensão do curso da vida requereria um questionamento de nossas convicções acerca das etapas e do sentido de cada uma delas, bem como a formulação de uma nova linguagem, de novas instituições e, acima de tudo, de uma nova perspectiva sobre o processo de envelhecimento. De modo a proceder a toda essa reformulação que considera necessária, Laslett sugere o entendimento da terceira idade como pertencente a uma ordem numérica que percorre todo o curso da vida e propõe uma divisão quadripartida do mesmo. Este esquema tem como objetivo rearranjar as idades por meio da redefinição e da redistribuição do curso da vida, com a particularidade de tomar o envelhecimento como critério privilegiado na orientação de sua realização.
A redefinição de todo o ciclo da vida em função do surgimento da noção de terceira idade transforma a infância em primeira idade, a idade adulta em segunda idade, o novo período que surge em terceira idade; e a velhice nas etapas mais tardias, em quarta idade. Neste esquema, a divisão entre as diferentes etapas da vida não se dá por meio de datas de aniversário ou outros critérios biológicos, mas por meio de atividades e características específicas.
Deste modo, a primeira idade seria caracterizada como o momento da dependência, da socialização e da imaturidade, no qual as atividades predominantes dizem respeito à formação e à educação. A segunda idade seria o momento da independência, da maturidade e da responsabilidade familiar e social, no qual a criação e a manutenção de uma família e o desenvolvimento de uma profissão seriam as principais atividades. A terceira idade seria o momento da satisfação pessoal. A quarta idade seria a idade da dependência, da decrepitude e da proximidade da morte.
A partir desta reordenação do curso da vida, realizada em função do processo de envelhecimento, Laslett estabelecerá as características da terceira idade. O autor a define como o momento privilegiado para a satisfação e a realização pessoais, contrariando a percepção mais geral de que a idade adulta é aquela na qual o sujeito atinge sua plenitude, se satisfaz e realiza os seus principais anseios.
Em sua argumentação, ele supõe que a realização que os sujeitos perseguem certamente inclui a concretização dos projetos típicos da "segunda idade", como a formação da família e o desenvolvimento profissional, mas não se esgota nesses termos. As próprias características desta etapa da vida – a dedicação ao trabalho, ao sustento e ao enriquecimento, a formação da família e a acentuada responsabilidade sobre os outros, inclusive com a provisão de modelos para os mais jovens – acabariam por restringir as possibilidades de satisfação pessoal dos sujeitos, adiando–a para as etapas mais tardias da vida. De fato, a plena realização do sujeito viria com a terceira idade, o "coroamento da vida" (LASLETT, 1989, p. 78), na qual o sujeito estaria dispensado das obrigações típicas da idade adulta e passaria a estabelecer laços, se engajar em atividades ou se submeter a novas obrigações apenas na medida em que estes se harmonizassem com seus interesses e perspectivas.
Uma das principais características da identidade da terceira idade, destacada por Laslett, é seu caráter de invenção. Os sujeitos que atualmente vivem a terceira idade não desfrutaram, em nenhum momento de suas vidas, do que os sociólogos chamam de role model, modelos ideais que pudessem orientar suas condutas na vivência desta etapa da vida. A experiência, as perspectivas e as suposições de seus pais e avós não podem constituir–se como guias apropriados para seu comportamento como sujeitos que vivem a terceira idade, visto se reportarem a contextos sociais que foram profundamente modificados e a condições concretas de existência – menor expectativa de vida – extremamente diferentes das atuais.
Esta ausência de modelo, ao contrário do que poderíamos supor, não é entendida por Laslett como um problema, mas, ao contrário, como uma vantagem que inaugura diversas possibilidades de criação e inovação, de inteira responsabilidade dos próprios sujeitos. De fato, para esses que estão "criando" a sua terceira idade, não há precedentes a serem considerados, convenções a serem respeitadas ou experiência a ser consultada, o que torna a tarefa desafiadora e estimulante. Cabe–nos lembrar que o desafio envolvido na formulação da terceira idade é não só uma experiência de inovação do ponto de vista individual, mas uma construção coletiva, cujos efeitos irão incidir sobre o próprio imaginário social.
Laslett considera que a terceira idade tem seu início estabelecido a partir de uma escolha pessoal que o indivíduo tem de realizar. Apesar de atentar para o aspecto coletivo e compartilhado da identidade, ao comentar que para que seja possível sua vivência é necessário que haja disposição, liberdade e meios apropriados na sociedade, o autor concede mais relevância ao aspecto individual. O momento propício para a entrada na terceira idade, a formulação de suas características e o momento adequado para que seja abandonada, adentrando a quarta idade, são escolhas voluntárias e conscientes do sujeito.
Ainda que se mantenha como referência fundamental para o entendimento da terceira idade, as formulações de Laslett foram alvo de diversas críticas e revisões, tanto por parte de outros estudiosos, quanto do próprio autor, que reconhece alguns dos problemas de sua teoria geral da terceira idade. O principal deles seria a restrição da possibilidade de satisfação pessoal ao momento de vida da terceira idade. No prefácio da edição norte–americana de seu livro, publicada em 1991, Laslett reconhece que não seria uma boa estratégia argumentativa limitar a satisfação aos valores que compõem o modelo ideal da terceira idade. Não nos parece razoável como proposta ética, ou tampouco adequada como descrição da experiência cotidiana dos sujeitos, a suposição do autor de que em outras etapas da vida as possibilidades de satisfação pessoal estão reduzidas, e apenas na terceira idade encontram–se efetivamente à disposição dos sujeitos.
Do mesmo modo, seu esquema de revisão do ciclo da vida e a conseqüente redefinição das diferentes idades em função exclusivamente da terceira idade não nos parecem necessários ou convenientes. A delimitação de uma nova etapa provavelmente implicará revisões das atuais idades da vida, mas, até o presente momento, não parece provável a suposição de que há ou haverá uma completa reformulação do ciclo da vida somente em função do surgimento da terceira idade, independentemente das características mais amplas de nosso momento histórico. Ainda, a substituição dos termos de nomeação de cada etapa e a adoção de um vocabulário numérico, como sugerido por Laslett, também não parecem oferecer vantagens em relação às definições do vocabulário atual, dotadas de um percurso histórico, consolidadas no espaço público e carregadas de sentido.
Observamos estreita relação entre a compreensão de Laslett acerca da identidade da terceira idade e os pressupostos individualistas para a construção da identidade que predominam na cultura contemporânea3. Esta proximidade se refere à injunção que podemos observar no imaginário cultural impelindo os sujeitos para que "façam" de sua velhice "uma terceira idade". No entanto, ainda que o aspecto de escolha individual seja predominante nessa identidade, sua possibilidade de existência é tributária de seu aparecimento no espaço público e de sua legitimidade como categoria e identidade etária. É precisamente seu estabelecimento como identidade coletiva no imaginário cultural que lhe confere a possibilidade de ser utilizada como fonte para a descrição da experiência, dos ideais e da imagem de si dos sujeitos. Suas características derivam da história de sua formação, das condições sociais que lhe precederam, do espaço que ocupa no imaginário cultural4. Portanto, ainda que o aspecto de escolha individual seja ressaltado na percepção de Laslett, o caráter coletivo da identidade não só está presente, como é fundamental em sua definição.
A teoria geral da terceira idade de Laslett possui o mérito de inaugurar o estudo da terceira idade como nova etapa da vida, concedendo–lhe visibilidade e importância como nova identidade etária, e influenciando todos os estudos subseqüentes sobre o tema. Além de precursor, seu estudo é extremamente criativo e suas proposições continuam sendo debatidas no campo de estudos sobre o envelhecimento. Dois aspectos relacionados ao entendimento da terceira idade como nova identidade etária encontram–se presentes na teoria de Laslett, mas não são ressaltados em sua análise, e merecem posterior discussão. São eles: a relação entre as identidades da velhice e da terceira idade e a experiência geracional que é subjacente à experiência contemporânea da terceira idade.
Entre velhice e terceira idade
A relação entre as identidades da velhice e da terceira idade é discutida por Guita Debert (1999), que adota uma postura crítica acerca das conseqüências das imagens positivas veiculadas pela identidade da terceira idade para a vivência e, principalmente, para a compreensão social do envelhecimento. A autora interpreta o surgimento da terceira idade como um processo de reprivatização da velhice. Por meio desta identidade, inaugurou–se a possibilidade de vivenciar o envelhecimento como uma etapa da vida prazerosa e gratificante, propícia para a realização de projetos e ambições pessoais.
Tal vivência parece depender quase que exclusivamente do engajamento e da disciplina de cada indivíduo em fazer de sua velhice um momento de atividade e recriação, seguindo adequadamente as prescrições médicas e os modelos sociais, estéticos e afetivos que compõem o referido estilo de vida da terceira idade, e vêm sendo intensamente divulgados nos meios de comunicação.
Com o processo de reprivatização do envelhecimento, os sujeitos que não podem, não conseguem ou não querem criar para si uma velhice autônoma, ativa e prazerosa, identificada com os signos da terceira idade, são representados como dependentes, fracos ou ausentes, cujo estilo de vida é inadequado. No entanto, ainda que sejam depreciativas, tais imagens representariam uma alternativa de identificação para aqueles que não se enquadram no imaginário composto pela terceira idade, para os quais as imagens de saúde, atividade e vitalidade não seriam apropriadas.
Na compreensão de autores como Andrew Blaikie (1999), Debert e Clarice Peixoto (1998), entre outros, o predomínio da identidade da terceira idade no imaginário cultural acaba por obscurecer e mesmo excluir do repertório de condutas possíveis outros modos de envelhecer, em especial este cujas principais características seriam o descanso e a inatividade. A visibilidade alcançada pelas imagens positivas constituintes da terceira idade resulta na ocultação da velhice como decadência fisiológica e cognitiva, e como experiência de solidão e dependência. A exclusão desta imagem da velhice do espaço público acaba por enfraquecer a percepção da mesma como problema coletivo e, consequentemente, reduzir a responsabilidade social no seu acolhimento.
Portanto, para os referidos autores, o processo de reprivatização da velhice, caracterizado pela noção de terceira idade, retira o tema do envelhecimento do rol de preocupações sociais, restringe a responsabilidade sobre sua gerência à competência e habilidade individuais e, deste modo, procede a uma espécie de negação da identidade da velhice.
Pode–se observar, nesta interpretação, uma relação de encobrimento e de negação entre as identidades da velhice e da terceira idade. Debert utiliza o termo "reinvenção" para qualificar a nova sensibilidade investida sobre o processo de envelhecimento que caracteriza a identidade da terceira idade. Mas esta reinvenção pela qual passa o processo de envelhecimento significa nada menos que a negação da velhice propriamente dita:
No contexto em que o envelhecimento se transforma em um novo mercado de consumo, não há lugar para a velhice, que tende a ser vista como conseqüência do descuido pessoal, da falta de envolvimento em atividades motivadoras, da adoção de formas de consumo e estilos de vida inadequados. (DEBERT, 1999, p. 227).
Blaikie e Peixoto preferem enfatizar o caráter de homogeneização da identidade da terceira idade, bem como a relação de encobrimento entre esta e a identidade da velhice. Ambos os autores apontam para a variedade de experiências de envelhecer que estariam capturadas e resumidas sob o signo da terceira idade.
Para Peixoto, a realidade brasileira é extremamente diversa daquelas nas quais o termo terceira idade surgiu5e sua transposição direta para o cenário brasileiro gera distorções de classificação e sentido. A expressãoterceira idade estaria sendo utilizada para tornar homogêneo como categoria social um grupo composto por sujeitos cujas realidades são diversas. Deste modo, a identidade da terceira idade "mascara uma realidade social em que a heterogeneidade econômica e etária é muito grande" (PEIXOTO, 1998, p. 81). Blaikie segue na mesma direção ao chamar atenção para a variabilidade cultural das experiências de envelhecimento que podem estar subjacentes à identidade da terceira idade.
Para esses autores, a identidade da terceira idade, ao generalizar diferentes experiências da velhice e resumi–las sob um único conjunto de características e uma determinada identidade, acabaria por encobrir uma possível identidade da velhice e, deste modo, por limitar a diversidade de modos de vida que seria própria ao processo de envelhecimento.
No que se refere à homogeneização das experiências de envelhecimento sob o signo da terceira idade, pode–se argumentar que a delimitação de determinadas características é condição de possibilidade para a definição de qualquer identidade, ainda mais, de qualquer conceito ou noção. A formação de uma identidade específica exige a seleção de determinadas características, a exclusão de outras e a demarcação de seus limites em relação a outras identidades. Deste modo, não parece equivocado supor que a identidade da terceira idade reúna, em sua definição, uma série de comportamentos, hábitos, crenças e imagens, e exclua outros. Ainda assim, seu surgimento no espaço social propiciou a emergência de uma forma de vivenciar o envelhecimento até então inexistente, acrescentando e diversificando as possibilidades de identificação dos sujeitos.
No entanto, se o seu surgimento é acompanhado, ou produz diretamente, a exclusão da identidade da velhice do imaginário cultural, o aumento e a diversificação das possibilidades de existência e identificação dos sujeitos acabam reduzidos. De fato, o predomínio das imagens positivas da identidade da terceira idade pode resultar na ocultação e, até mesmo na exclusão da identidade da velhice do imaginário cultural. Blaikie questiona o destino da identidade da velhice na contemporaneidade:
No momento em que o "mercado grisalho" perpetua a busca pela juventude eterna, a realidade biológica da velhice propriamente dita é, cada vez mais, negada. [...] A velhice propriamente dita teria substituído a morte como tema tabu no final do século XX? (BLAIKIE, 1999, apresentação).
Ainda que tenhamos reunido os principais questionamentos e argumentos encontrados na literatura especializada, não nos parece suficientemente clara a relação entre as identidades da velhice e da terceira idade. A qualificação da relação entre as referidas identidades permanece indefinida, oscilando entre a ocultação, a negação e a exclusão, sem descartar ainda a hipótese de coexistência entre as mesmas. Por hora, reteremos tais questionamentos, e nos direcionaremos ao segundo aspecto da definição da identidade da terceira idade que merece discussão: o caráter geracional de sua experiência.
Os baby–boomers e o envelhecimento
Tal vivência parece depender quase que exclusivamente do engajamento e da disciplina de cada indivíduo em fazer de sua velhice um momento de atividade e recriação, seguindo adequadamente as prescrições médicas e os modelos sociais, estéticos e afetivos que compõem o referido estilo de vida da terceira idade, e vêm sendo intensamente divulgados nos meios de comunicação.
Com o processo de reprivatização do envelhecimento, os sujeitos que não podem, não conseguem ou não querem criar para si uma velhice autônoma, ativa e prazerosa, identificada com os signos da terceira idade, são representados como dependentes, fracos ou ausentes, cujo estilo de vida é inadequado. No entanto, ainda que sejam depreciativas, tais imagens representariam uma alternativa de identificação para aqueles que não se enquadram no imaginário composto pela terceira idade, para os quais as imagens de saúde, atividade e vitalidade não seriam apropriadas.
Na compreensão de autores como Andrew Blaikie (1999), Debert e Clarice Peixoto (1998), entre outros, o predomínio da identidade da terceira idade no imaginário cultural acaba por obscurecer e mesmo excluir do repertório de condutas possíveis outros modos de envelhecer, em especial este cujas principais características seriam o descanso e a inatividade. A visibilidade alcançada pelas imagens positivas constituintes da terceira idade resulta na ocultação da velhice como decadência fisiológica e cognitiva, e como experiência de solidão e dependência. A exclusão desta imagem da velhice do espaço público acaba por enfraquecer a percepção da mesma como problema coletivo e, consequentemente, reduzir a responsabilidade social no seu acolhimento.
Portanto, para os referidos autores, o processo de reprivatização da velhice, caracterizado pela noção de terceira idade, retira o tema do envelhecimento do rol de preocupações sociais, restringe a responsabilidade sobre sua gerência à competência e habilidade individuais e, deste modo, procede a uma espécie de negação da identidade da velhice.
Pode–se observar, nesta interpretação, uma relação de encobrimento e de negação entre as identidades da velhice e da terceira idade. Debert utiliza o termo "reinvenção" para qualificar a nova sensibilidade investida sobre o processo de envelhecimento que caracteriza a identidade da terceira idade. Mas esta reinvenção pela qual passa o processo de envelhecimento significa nada menos que a negação da velhice propriamente dita:
No contexto em que o envelhecimento se transforma em um novo mercado de consumo, não há lugar para a velhice, que tende a ser vista como conseqüência do descuido pessoal, da falta de envolvimento em atividades motivadoras, da adoção de formas de consumo e estilos de vida inadequados. (DEBERT, 1999, p. 227).
Blaikie e Peixoto preferem enfatizar o caráter de homogeneização da identidade da terceira idade, bem como a relação de encobrimento entre esta e a identidade da velhice. Ambos os autores apontam para a variedade de experiências de envelhecer que estariam capturadas e resumidas sob o signo da terceira idade.
Para Peixoto, a realidade brasileira é extremamente diversa daquelas nas quais o termo terceira idade surgiu5e sua transposição direta para o cenário brasileiro gera distorções de classificação e sentido. A expressãoterceira idade estaria sendo utilizada para tornar homogêneo como categoria social um grupo composto por sujeitos cujas realidades são diversas. Deste modo, a identidade da terceira idade "mascara uma realidade social em que a heterogeneidade econômica e etária é muito grande" (PEIXOTO, 1998, p. 81). Blaikie segue na mesma direção ao chamar atenção para a variabilidade cultural das experiências de envelhecimento que podem estar subjacentes à identidade da terceira idade.
Para esses autores, a identidade da terceira idade, ao generalizar diferentes experiências da velhice e resumi–las sob um único conjunto de características e uma determinada identidade, acabaria por encobrir uma possível identidade da velhice e, deste modo, por limitar a diversidade de modos de vida que seria própria ao processo de envelhecimento.
No que se refere à homogeneização das experiências de envelhecimento sob o signo da terceira idade, pode–se argumentar que a delimitação de determinadas características é condição de possibilidade para a definição de qualquer identidade, ainda mais, de qualquer conceito ou noção. A formação de uma identidade específica exige a seleção de determinadas características, a exclusão de outras e a demarcação de seus limites em relação a outras identidades. Deste modo, não parece equivocado supor que a identidade da terceira idade reúna, em sua definição, uma série de comportamentos, hábitos, crenças e imagens, e exclua outros. Ainda assim, seu surgimento no espaço social propiciou a emergência de uma forma de vivenciar o envelhecimento até então inexistente, acrescentando e diversificando as possibilidades de identificação dos sujeitos.
No entanto, se o seu surgimento é acompanhado, ou produz diretamente, a exclusão da identidade da velhice do imaginário cultural, o aumento e a diversificação das possibilidades de existência e identificação dos sujeitos acabam reduzidos. De fato, o predomínio das imagens positivas da identidade da terceira idade pode resultar na ocultação e, até mesmo na exclusão da identidade da velhice do imaginário cultural. Blaikie questiona o destino da identidade da velhice na contemporaneidade:
No momento em que o "mercado grisalho" perpetua a busca pela juventude eterna, a realidade biológica da velhice propriamente dita é, cada vez mais, negada. [...] A velhice propriamente dita teria substituído a morte como tema tabu no final do século XX? (BLAIKIE, 1999, apresentação).
Ainda que tenhamos reunido os principais questionamentos e argumentos encontrados na literatura especializada, não nos parece suficientemente clara a relação entre as identidades da velhice e da terceira idade. A qualificação da relação entre as referidas identidades permanece indefinida, oscilando entre a ocultação, a negação e a exclusão, sem descartar ainda a hipótese de coexistência entre as mesmas. Por hora, reteremos tais questionamentos, e nos direcionaremos ao segundo aspecto da definição da identidade da terceira idade que merece discussão: o caráter geracional de sua experiência.
Os baby–boomers e o envelhecimento
Os sujeitos que estão vivenciando a experiência contemporânea da terceira idade fazem parte de uma geração específica, comumente conhecida como geração dos baby–boomers. As características próprias desta geração certamente influenciam o modo pelo qual a mesma experimenta o processo de envelhecimento, mas elas seriam suficientes para explicar em sua totalidade o fenômeno da identidade da terceira idade?
Para Chris Gilleard e Paul Higgs (2002), o caráter geracional deste grupo específico é o fator preponderante para a definição das características desta identidade e pode, efetivamente, responder por sua descrição. Os autores partem da proposta de Laslett de conceber a terceira idade como uma nova identidade e buscam estabelecer os seus limites, tanto como definição conceitual quanto como explicação descritiva da experiência dos sujeitos. Para tanto, analisam três categorias sociológicas que poderiam contribuir para o esclarecimento do tema: classe, grupo de nascimento e geração.
Segundo tais autores, utilizando–se a categoria classe, pode–se entender a terceira idade como a experiência de uma determinada classe social, a dos aposentados das camadas médias urbanas, que gozam de boa saúde e que possuem uma situação financeira confortável. No entanto, mesmo que a adoção de estilos de vida e de sistemas de crenças esteja relacionada à situação econômica dos sujeitos, a transmissão de valores atrelados à classe social não é uma característica distintiva desta identidade. Portanto, para os autores, esta não seria uma explicação adequada para a identidade da terceira idade.
Adotando–se a categoria grupo de nascimento6, pode–se supor que a experiência da terceira idade é equivalente ao envelhecimento de uma geração especialmente privilegiada. Ainda que haja controvérsias acerca da delimitação de diferentes grupos de nascimento, os baby–boomers – nascidos no período posterior à Segunda Guerra Mundial – seriam a geração que agora envelhece e goza de saúde e recursos financeiros em sua aposentadoria. A importância política, econômica, social e cultural deste grupo o torna signatário da nova terceira idade.
A consideração do grupo de nascimento é subjacente à perspectiva adotada por Gilleard e Higgs, mas não é abrangente o suficiente para contemplar as profundas transformações culturais que se difundiram pela sociedade na segunda metade do século XX. São essas transformações culturais do pós–guerra que responderam pela transformação de um grupo de nascimento em uma geração, esta sim a categoria mais adequada para qualificar a experiência da terceira idade. Para fundamentar uma abordagem geracional da terceira idade, os autores recorrem à definição de geração de Karl Mannheim (apud GILLEARD; HIGGS, 2002). Para este autor, o elemento que define uma geração é o compartilhamento de localização temporal, histórica e sociocultural. O grupo de nascimento é, portanto, condição necessária, mas não suficiente para que se estabeleça a experiência geracional. É a combinação entre a exposição a um conjunto determinado de experiências e a consciência de se ocupar um nicho geracional específico que constitui a base para a experiência geracional.
A geração que envelhece no final do século XX e início do século XXI e que experimenta a possibilidade de vivenciar a terceira idade possui características específicas bastante delimitadas. Debert (1999, p. 240) comenta que "os baby–boomers têm sido pensados como uma geração feliz". Nascidos em um momento histórico no qual as sociedades européia e norte–americana floresciam e experimentavam a abundância, os baby–boomers foram favorecidos pelo crescimento do Estado de Bem–Estar Social, pela difusão do sistema educacional e pela ampla oferta de emprego nos anos 60. Constituíram a primeira geração a receber a influência dos meios de comunicação de massa, como a televisão, e a estar exposta à cultura de consumo. Devido a essa condição histórica, os baby–boomers se tornaram um numeroso e potente grupo social, bem como um amplo mercado consumidor de bens e serviços.
No entanto, são as características comportamentais dessa geração que se destacam como experiência cultural e podem exercer notável influência na determinação da identidade da terceira idade. As marcas distintivas desta geração são a transformação, a renovação e o desafio, em todas as esferas da vida dos sujeitos, desde a política, a cultura, até as esferas de intimidade. A cada nova etapa do curso da vida que alcançavam, os baby–boomers imprimiam mudanças, contestavam antigas crenças e criavam novos hábitos.
Seu avanço em cada uma das etapas da vida corresponde à divulgação de imagens de que essas etapas poderiam ser vividas de maneiras inteiramente inovadoras. Assim, uma poderosa cultura jovem, formadora de gostos e novos estilos de vida (os teenagers, os rock n' roll), antecedeu a transição desta coorte geracional para a vida adulta; transição essa que foi prorrogada em uma fase de educação superior e ativismo político de oposição, com os movimentos de contracultura, o feminismo, etc.". (DEBERT, 1999, p. 240).
Não seria diferente com o momento do envelhecimento. O fato de que esta geração possui como uma de suas principais características comportamentais a transformação, exerce influência considerável sobre a formação da identidade da terceira idade. Ao atingir as etapas mais avançadas da vida, que até então chamaríamos de velhice, estes sujeitos – beneficiados pelos avanços na expectativa de vida e nos recursos médicos, adentrando o universo da aposentadoria, alvo de estratégias de marketing sedutoras e estimuladoras – começam a experimentar novas formas de agir e sentir. A chegada desta geração à velhice produziu a transformação da mesma em uma nova experiência, a terceira idade.
Para Gilleard e Higgs, o fato de que a geração atual é a primeira a envelhecer carregando consigo os valores de uma "cultura jovem", produzidos nos anos 60, gera importantes conseqüências para a formação e para a caracterização da identidade da terceira idade. Do mesmo modo, esta geração seria portadora de uma consciência intergeracional que preza a liberdade pessoal, permitindo aos novos aposentados a adoção de comportamentos progressivamente mais próximos dos jovens. Para esses autores, a identidade da terceira idade é fruto da experiência transgressora da geração dos baby–boomers, que alteram as características de cada etapa do curso da vida que atingem. Deste modo, a identidade da terceira idade não caracterizaria uma nova identidade etária propriamente dita, mas seria fruto desta consciência geracional – parte de sua inteligibilidade – e somente expressão da mesma.
De fato, as características da identidade da terceira idade podem ser tributárias, em grande parte, do caráter inovador próprio à geração dos baby–boomers. No entanto, reduzir sua caracterização à expressão da consciência geracional destes sujeitos, como o fazem Gilleard e Higgs, bem como outros autores críticos de Laslett, pode significar uma desvalorização de sua importância como identidade etária no imaginário coletivo. Neste sentido, podemos considerar como critério diferenciador, no que se refere à sua definição, a relevância cultural de seu surgimento, sua capacidade de formar novas experiências subjetivas e o caráter amplo que vem adquirindo na contemporaneidade.
Conclusão
Para Chris Gilleard e Paul Higgs (2002), o caráter geracional deste grupo específico é o fator preponderante para a definição das características desta identidade e pode, efetivamente, responder por sua descrição. Os autores partem da proposta de Laslett de conceber a terceira idade como uma nova identidade e buscam estabelecer os seus limites, tanto como definição conceitual quanto como explicação descritiva da experiência dos sujeitos. Para tanto, analisam três categorias sociológicas que poderiam contribuir para o esclarecimento do tema: classe, grupo de nascimento e geração.
Segundo tais autores, utilizando–se a categoria classe, pode–se entender a terceira idade como a experiência de uma determinada classe social, a dos aposentados das camadas médias urbanas, que gozam de boa saúde e que possuem uma situação financeira confortável. No entanto, mesmo que a adoção de estilos de vida e de sistemas de crenças esteja relacionada à situação econômica dos sujeitos, a transmissão de valores atrelados à classe social não é uma característica distintiva desta identidade. Portanto, para os autores, esta não seria uma explicação adequada para a identidade da terceira idade.
Adotando–se a categoria grupo de nascimento6, pode–se supor que a experiência da terceira idade é equivalente ao envelhecimento de uma geração especialmente privilegiada. Ainda que haja controvérsias acerca da delimitação de diferentes grupos de nascimento, os baby–boomers – nascidos no período posterior à Segunda Guerra Mundial – seriam a geração que agora envelhece e goza de saúde e recursos financeiros em sua aposentadoria. A importância política, econômica, social e cultural deste grupo o torna signatário da nova terceira idade.
A consideração do grupo de nascimento é subjacente à perspectiva adotada por Gilleard e Higgs, mas não é abrangente o suficiente para contemplar as profundas transformações culturais que se difundiram pela sociedade na segunda metade do século XX. São essas transformações culturais do pós–guerra que responderam pela transformação de um grupo de nascimento em uma geração, esta sim a categoria mais adequada para qualificar a experiência da terceira idade. Para fundamentar uma abordagem geracional da terceira idade, os autores recorrem à definição de geração de Karl Mannheim (apud GILLEARD; HIGGS, 2002). Para este autor, o elemento que define uma geração é o compartilhamento de localização temporal, histórica e sociocultural. O grupo de nascimento é, portanto, condição necessária, mas não suficiente para que se estabeleça a experiência geracional. É a combinação entre a exposição a um conjunto determinado de experiências e a consciência de se ocupar um nicho geracional específico que constitui a base para a experiência geracional.
A geração que envelhece no final do século XX e início do século XXI e que experimenta a possibilidade de vivenciar a terceira idade possui características específicas bastante delimitadas. Debert (1999, p. 240) comenta que "os baby–boomers têm sido pensados como uma geração feliz". Nascidos em um momento histórico no qual as sociedades européia e norte–americana floresciam e experimentavam a abundância, os baby–boomers foram favorecidos pelo crescimento do Estado de Bem–Estar Social, pela difusão do sistema educacional e pela ampla oferta de emprego nos anos 60. Constituíram a primeira geração a receber a influência dos meios de comunicação de massa, como a televisão, e a estar exposta à cultura de consumo. Devido a essa condição histórica, os baby–boomers se tornaram um numeroso e potente grupo social, bem como um amplo mercado consumidor de bens e serviços.
No entanto, são as características comportamentais dessa geração que se destacam como experiência cultural e podem exercer notável influência na determinação da identidade da terceira idade. As marcas distintivas desta geração são a transformação, a renovação e o desafio, em todas as esferas da vida dos sujeitos, desde a política, a cultura, até as esferas de intimidade. A cada nova etapa do curso da vida que alcançavam, os baby–boomers imprimiam mudanças, contestavam antigas crenças e criavam novos hábitos.
Seu avanço em cada uma das etapas da vida corresponde à divulgação de imagens de que essas etapas poderiam ser vividas de maneiras inteiramente inovadoras. Assim, uma poderosa cultura jovem, formadora de gostos e novos estilos de vida (os teenagers, os rock n' roll), antecedeu a transição desta coorte geracional para a vida adulta; transição essa que foi prorrogada em uma fase de educação superior e ativismo político de oposição, com os movimentos de contracultura, o feminismo, etc.". (DEBERT, 1999, p. 240).
Não seria diferente com o momento do envelhecimento. O fato de que esta geração possui como uma de suas principais características comportamentais a transformação, exerce influência considerável sobre a formação da identidade da terceira idade. Ao atingir as etapas mais avançadas da vida, que até então chamaríamos de velhice, estes sujeitos – beneficiados pelos avanços na expectativa de vida e nos recursos médicos, adentrando o universo da aposentadoria, alvo de estratégias de marketing sedutoras e estimuladoras – começam a experimentar novas formas de agir e sentir. A chegada desta geração à velhice produziu a transformação da mesma em uma nova experiência, a terceira idade.
Para Gilleard e Higgs, o fato de que a geração atual é a primeira a envelhecer carregando consigo os valores de uma "cultura jovem", produzidos nos anos 60, gera importantes conseqüências para a formação e para a caracterização da identidade da terceira idade. Do mesmo modo, esta geração seria portadora de uma consciência intergeracional que preza a liberdade pessoal, permitindo aos novos aposentados a adoção de comportamentos progressivamente mais próximos dos jovens. Para esses autores, a identidade da terceira idade é fruto da experiência transgressora da geração dos baby–boomers, que alteram as características de cada etapa do curso da vida que atingem. Deste modo, a identidade da terceira idade não caracterizaria uma nova identidade etária propriamente dita, mas seria fruto desta consciência geracional – parte de sua inteligibilidade – e somente expressão da mesma.
De fato, as características da identidade da terceira idade podem ser tributárias, em grande parte, do caráter inovador próprio à geração dos baby–boomers. No entanto, reduzir sua caracterização à expressão da consciência geracional destes sujeitos, como o fazem Gilleard e Higgs, bem como outros autores críticos de Laslett, pode significar uma desvalorização de sua importância como identidade etária no imaginário coletivo. Neste sentido, podemos considerar como critério diferenciador, no que se refere à sua definição, a relevância cultural de seu surgimento, sua capacidade de formar novas experiências subjetivas e o caráter amplo que vem adquirindo na contemporaneidade.
Conclusão
Como vimos, o entendimento da terceira idade como uma identidade etária autônoma não é uma suposição unânime no campo de estudos sobre o envelhecimento, mas uma hipótese ainda controversa. Alguns autores optam por compreender a terceira idade como resultado de uma espécie de reformulação da identidade da velhice, que, ao ter as suas características constitutivas alteradas, acabou por receber um novo termo que a identificasse. Outra linha de análise prefere conceder maior autonomia à terceira idade, entendendo–a como uma nova idade, inteiramente original, que vem se somar à infância, à adolescência e à idade adulta na composição do curso da vida. Ainda, vimos que o aspecto geracional da experiência da terceira idade parece lhe conferir características particulares e bastante específicas, afinadas com a peculiaridade da geração dos baby–boomers. Para os partidários desta linha de análise, a terceira idade deve ser entendida mais como a vivência específica desses sujeitos, do que como uma experiência cultural e inovadora de amplo alcance, reduzindo a probabilidade de sua extensão para outras gerações.
Essas três hipóteses acrescentam informações à compreensão do estatuto da terceira idade e podem nos ajudar a refletir sobre as condições que vêm marcando a experiência de envelhecer na contemporaneidade, bem como sobre as injunções a que os sujeitos inseridos nesse processo vêm se submetendo. A experiência geracional dosbaby–boomers é certamente um fator definidor do envelhecimento contemporâneo. No entanto, somente desenvolvimentos posteriores poderão confirmar a exclusividade ou a parcialidade do caráter geracional da terceira idade. Neste sentido, parece cedo para delimitar de forma definitiva a terceira idade como nova identidade etária e a sua relação com a identidade da velhice.
Por outro lado, não é possível desconhecer a sua relevância tanto como experiência coletiva quanto como possibilidade de inovação no campo individual. Adotando o termo ou posicionando–se de forma crítica em relação a ele, relatando as benesses da maturidade ou lamentando as limitações corporais, o fato é que se tornou praticamente impossível envelhecer na contemporaneidade sem considerar a noção de terceira idade. E, ainda que controverso, seu surgimento pode favorecer a diversificação das formas de existência e a inovação subjetiva, acrescentando novas possibilidades à descrição das histórias de vida dos sujeitos.
A essa nova maneira de envelhecer devemos conceder atenção, proporcionando–lhe maior visibilidade e fomentando o debate não só nos meios acadêmicos, mas sensibilizando também outros setores da sociedade. Deste modo, parece–nos possível estimular o que puder contribuir para o aumento da satisfação dos sujeitos e refletir com cuidado acerca daquilo que pode significar, em última instância, constrangimento, sujeição ou exclusão social.
Referências
Essas três hipóteses acrescentam informações à compreensão do estatuto da terceira idade e podem nos ajudar a refletir sobre as condições que vêm marcando a experiência de envelhecer na contemporaneidade, bem como sobre as injunções a que os sujeitos inseridos nesse processo vêm se submetendo. A experiência geracional dosbaby–boomers é certamente um fator definidor do envelhecimento contemporâneo. No entanto, somente desenvolvimentos posteriores poderão confirmar a exclusividade ou a parcialidade do caráter geracional da terceira idade. Neste sentido, parece cedo para delimitar de forma definitiva a terceira idade como nova identidade etária e a sua relação com a identidade da velhice.
Por outro lado, não é possível desconhecer a sua relevância tanto como experiência coletiva quanto como possibilidade de inovação no campo individual. Adotando o termo ou posicionando–se de forma crítica em relação a ele, relatando as benesses da maturidade ou lamentando as limitações corporais, o fato é que se tornou praticamente impossível envelhecer na contemporaneidade sem considerar a noção de terceira idade. E, ainda que controverso, seu surgimento pode favorecer a diversificação das formas de existência e a inovação subjetiva, acrescentando novas possibilidades à descrição das histórias de vida dos sujeitos.
A essa nova maneira de envelhecer devemos conceder atenção, proporcionando–lhe maior visibilidade e fomentando o debate não só nos meios acadêmicos, mas sensibilizando também outros setores da sociedade. Deste modo, parece–nos possível estimular o que puder contribuir para o aumento da satisfação dos sujeitos e refletir com cuidado acerca daquilo que pode significar, em última instância, constrangimento, sujeição ou exclusão social.
Referências
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Fonte: SciELO
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