"Eu não tenho idade. Tenho vida." (Vânia Toledo)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Alcoolismo na terceira idade traz as sequelas de uma vida dedicada à bebida e à luta para largar a dependência


“Mas o primeiro gole! Gole? A coisa começa muito acima da garganta. Esse ouro espumante vem pelos lábios, frescura ampliada pela espuma que passa depois, lentamente, pelo céu da boca, uma felicidade filtrada de amargor.”

Aos poucos, eles começam a  contar suas histórias, como se abrissem uma caixa cheia de “primeiros goles” que gostariam de esquecer.

Eles têm acima de 50 anos e uma vida inteira de luta contra o alcoolismo. Já passaram pela euforia dos primeiros porres, pela teimosia do “Eu paro quando quero”, pelo fundo do poço, pelo fracasso da impotência mediante a doença e pela fase corajosa de assumir-se e procurar ajuda. Eles entendem muito bem o que diz a frase em destaque acima, do livro “O primeiro gole da cerveja e outros minúsculos prazeres”, de Philippe Delerm – porém, entendem também o quanto esse prazer minúsculo tem potencial para provocar gigantescos estragos. Hoje, os anos contabilizados em álcool lhes trazem sequelas físicas e psicológicas.

“Eu nunca havia tomado cerveja. Um dia, tomei o primeiro gole e, depois, fui procurando em outras bebidas o efeito que aquele primeiro gole me trouxe”, conta Margareth*, 74 anos. Ela começou a beber aos 45, em uma festa em casa, e descobriu que era alcoolista.
Passou da cerveja ao destilado em pouco tempo e descobriu-se impotente. “Quando percebi que tinha que tomar um trago pela manhã para deixar de tremer as mãos, vi que precisava de ajuda.”

Para ela, a causa de sua doença está na própria história de vida. “Eu sempre fui muito amada: tive pais maravilhosos, sou a caçula de 5 filhos, fui muito mimada... Não consegui aceitar as perdas que a vida foi me trazendo”, diz. Há 20 anos, ela frequenta os Alcoólicos Anônimos de Bauru em busca de superação. Casada e mãe de dois filhos, viu na família a chave da melhora. “Quando eles passaram a acreditar que eu estava curada foi o começo da minha nova vida”, afirma.  As sequelas, no entanto, permanecem.

Sequelas que para João, 59, ultrapassaram o campo psicológico e se espalharam por todo o corpo, estafado de digerir o álcool. Ele já foi internado com hepatite alcoólica, tem problemas no coração e sequelas no fígado. Seu primeiro contato com a bebida foi aos 18, em uma festa na casa de um vizinho. Vinte anos depois, estava buscando ajuda pelo AA. “Se todos que entram aqui continuassem o processo, lotaríamos um estádio. As pessoas começam e param. Por isso, é tão difícil conseguir a cura que, no nosso caso, é diária”, explica.


Doença na terceira idade tem acompanhamento especial

Os alcoolistas da terceira idade representam 3% dos portadores da doença no Brasil. Entre os especialistas da área, o problema é tratado de maneira especial, já que, na maioria das vezes, a pessoa passou boa parte da vida ingerindo o álcool e, na maturidade, sofre as sequelas da doença.
Valéria Moron Perri é a responsável pelo Caps-AD de Bauru (Centro de Atenção Psico-social – Álcool e Drogas) e lida com a questão diariamente. “O paciente na terceira idade, geralmente, é um alcoolista crônico, que, em alguma vezes, passou mais de 10 anos da vida bebendo e, por isso, precisa de um acompanhamento clínico mais rígido”, explica.
Parte desse acompanhamento mais intenso está no fato de que a recaída para o alcoolista da terceira idade pode ter efeitos drásticos. “O paciente já tem um quadro físico comprometido pela idade, o que complica as coisas”, diz Valéria. Ela ainda explica que entre as sequelas mais comuns com esses pacientes está a cirrose e a polineurite. “Frequentemente, esses pacientes tem os órgãos comprometidos”, completa.
O Caps-AD atende cerca de 800 pacientes por mês, de 12 a 80 anos. O atendimento é feito de segunda a sexta-feira, das 7h às 9h. Os pacientes podem procurar o Centro por iniciativa espontânea ou por encaminhamento médico. Valéria garante: “Todo paciente é atendido conforme a urgência do caso”.


Bauru tem duas sedes do Alcoólicos Anônimos

Os Alcoólicos Anônimos em Bauru atendem em dois espaços. Uma das unidades fica na avenida Cruzeiro do Sul e tem sessões às segundas, terças e quartas-feiras, às 20h. O grupo atende uma média de 15 a 20 pessoas por sessão e, nessa unidade, de 30 a 40% dos pacientes são da terceira idade. A outra unidade, Caminhos da Vida, fica no centro e atende de 18 à 20 pessoas por sessão. As reuniões acontecem todos os dias, das 20h às 21h30.


5 mil

É o número de sedes do AA pelo Brasil


“Só por hoje” é ideia defendida pelo AA

Os Alcoólicos Anônimos trabalham com a ideia do “só por hoje”, que acredita na abstinência diária. Além disso, seguem a cartilha dos 12 passos – entre eles, estão a humildade e o reconhecimento do problema. As reuniões são gratuitas.


Opinião

Oliveira, 73 anos, integrante do AA‘Cheguei a tomar 1 litro de uísque para me sentir bem’
Eu só procurei o AA aos 64 anos, já tinha perdido quase tudo. Tive uma empresa e, por causa do álcool, deixei de cuidar dela até perdê-la por completo. A minha família, sorte a minha, foi muito solidária. Meu casamento dura há 46 anos e isso me ajudou a encontrar a recuperação. O álcool é progressivo. Você não percebe a dependência. Além disso, para o dependente, não existe diferenças sociais, culturais, barreiras.  Você perde sua dignidade sem se dar conta. Aos 26 anos, eu já era alcoolista. Fui encurtando os espaços de tempo entre uma bebida e outra. Primeiro, bebia depois do trabalho, às 18h. Depois, comecei a terminar o expediente às 15h e assim foi. Cheguei a tomar um litro de uísque para me sentir bem e achava que era autossuficiente. São raros os alcoolistas que não chegam no fundo do poço.

Fonte: Rede Bom Dia

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