"Eu não tenho idade. Tenho vida." (Vânia Toledo)

sábado, 13 de agosto de 2011

Políticas públicas e direitos do Idoso: Desafios da Agenda Social do Brasil Contemporâneo




Maria das Graças Melo de Fernandes é docente do Departamento de Enfermagem-DEMCA da UFPB e aluna do Programa de Pós-Graduação em Sociologia [Doutorado] – CCHLA/UFPB.

 
Sérgio Ribeiro dos Santos é docente do Departamento de Enfermagem-DEMCA da UFPB e aluno do Programa de Pós-Graduação em Sociologia [Doutorado] – CCHLA/UFPB.



1. Introdução

Em todo o mundo, o contingente de pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos tem crescido rapidamente. No final do século passado, eram estimados 590 milhões de indivíduos nessa faixa etária, sendo projetado para 2025 o montante de um bilhão e duzentos milhões, atingindo dois bilhões em 2050. Neste ano, pela primeira vez na história da humanidade, as pessoas idosas superarão as crianças com idade entre zero quatorze anos, correspondendo, respectivamente, a 22,1% e 19,6%, segundo a World Health Organization (2002), fenômeno esse acontecido no final do século passado, no ano 2000, em alguns países desenvolvidos como Alemanha, Japão e Espanha, conforme dados da organização das Nações Unidas (2003).

O Brasil é um país que envelhece a passos largos. No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje sua expectativa de vida ao nascer constitui 68 anos (Veras, 2003). Esse autor ressalta também que, em nosso país, o número de idosos passou dos dois milhões, em 1950, para seis milhões em 1975 e, para 15,4 milhões, em 2002, significando um aumento de 700%. Estima-se, ainda, para 2020, que esta população alcance os 32 milhões.

Cabe destacar que, em todo o mundo, a população idosa está envelhecendo, intensificando a heterogeneidade dentro do próprio grupo etário. Conforme Camarano (2002), as proporções da população “mais idosa”, ou seja, a de oitenta anos e mais, no total da população brasileira, está aumentando em ritmo bastante acelerado, embora ainda represente um contingente pequeno. De 166 mil pessoas em 1940, o segmento “mais idoso” passou para quase 1,9 milhões em 2000.

Tal mudança demográfica se deve a vários fatores: o controle de muitas doenças infecto-contagiosas e potencialmente fatais, sobretudo a partir da descoberta dos antibióticos, dos imunobiológicos e das políticas de vacinação em massa; diminuição das taxas de fecundidade; queda da mortalidade infantil, graças à ampliação de redes de abastecimento de água e esgoto e da cobertura da atenção básica à saúde; acelerada urbanização e mudanças nos processos produtivos, de organização do trabalho e da vida (Minayo, 2000).

No contexto do envelhecimento populacional, inúmeros fatores se interrelacionam. Entre eles, os de maior relevância são aqueles ligados à previdência social e à saúde os quais constituem desafios para o Estado, setores produtivos e famílias. Levando em conta as implicações do envelhecimento para a sociedade, o Banco Mundial, em 1994, afirma, através de um documento, que a crescente expectativa de vida nos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, estava provocando a “crise da velhice”, traduzida por uma pressão nos sistemas de previdência social a ponto de pôr em risco não somente a segurança econômica dos idosos, mas também o próprio desenvolvimento desses países (Simões, 1997). Nas sociedades industrializadas, Giddens (1999) ressalta que o envelhecimento constitui um grande problema por causa da bomba-relógio da aposentadoria.

Corroborando essa assertiva, Veras (2003) destaca que, entre 1999 e 2050, o coeficiente entre a população ativa e inativa, isto é, o número de pessoas entre quinze e 64 anos de idade por cada pessoa de 65 anos ou mais diminuirá em menos da metade nas regiões desenvolvidas e em uma fração ainda menor nas menos desenvolvidas. Assim sendo, uma nova reforma da previdência, nas próximas décadas, será recolocada em pauta, e novos embates virão.

Cabe ressaltar que a aposentadoria, apesar de ter como proposição a garantia de direitos e de inclusão social do idoso na sociedade democrática brasileira, seus valores, do ponto de vista econômico, não permitem o atendimento satisfatório das suas necessidades de sobrevivência, especialmente dos mais pobres que evidenciam um envelhecimento, no geral, patológico e com incapacidades associadas, requerendo, portanto, maior demanda de recursos tanto do seu sistema de apoio formal (Estado, sociedade civil) como do informal (família). Isto é reconhecido por Carvalho et al. (1998, p.28) ao discorrerem que “a aposentadoria é quase sempre um rito de exclusão. Marca oficialmente a entrada do indivíduo no mundo da velhice, com todas as dificuldades, perdas e representações sociais excludentes.”

Tal fato se agrava quando a aposentadoria do idoso (nas camadas pobres), em resposta à crise econômica e social gerada pelo Estado mínimo neoliberal, passa a ser a única fonte de renda da família (filhos e netos desempregados e com baixo nível de escolaridade), exacerbando, assim, sua dolorosa pobreza, pois, conforme aponta Goldman (2004), 70% dos aposentados e pensionistas do INSS recebem um salário-mínimo por mês.

Essa realidade é corroborada por Veras (2003) ao salientar que num país como o nosso, com um vasto contingente de pobres de todas as idades, com uma política de saúde caótica, com benefícios previdenciários ínfimos, com uma assistência social praticamente inerte e com um forte preconceito contra os idosos, não é difícil presumir as dificuldades que estes, principalmente os mais pobres, vivenciam.

Além disso, ante o rápido desenvolvimento tecnológico dos anos recentes, o idoso tem vivenciado a diminuição do seu status social, especialmente de suas habilidades, conhecimento e experiências, tornando suas contribuições sociais imediatas menos relevantes. A ideologia do saber atual é gerada pelo conhecimento técnico-científico dominado pelos jovens. Nesse contexto, poucos idosos (alguns artistas, políticos, profissionais liberais) conseguem ser melhores nessa idade do que quando jovens.

Face a esse panorama, tentaremos, ao longo deste trabalho, buscar refletir, a partir da literatura pertinente, como os idosos, bem como a sociedade civil e o governo, têm se mobilizado no sentido de construir políticas públicas e institucionalizar direitos no sentido de reduzir desigualdades sociais experimentadas por esse segmento populacional.


2. Políticas públicas e direitos no contexto democrático

O termo política diz respeito a um conjunto de objetivos que informam determinado programa de ação governamental e condicionam sua execução. Política pública é a expressão atualmente utilizada nos meios oficiais e nas ciências sociais para substituir o que até a década de setenta era chamado planejamento estatal (BORGES, 2002).

Nos Estados democráticos modernos, o conceito de política pública tem íntima ligação com o de cidadania, pensada como o conjunto das liberdades individuais expressas pelos direitos civis (Neri, 2005). A concretização da cidadania ocorre através do espaço político, como o direito a ter direitos.

Conforme Borges (2002), o Estado brasileiro não garante o acesso de uma população amplamente desprivilegiada, a exemplo da maioria dos idosos, aos serviços públicos que poderiam dignificar o seu cotidiano. Na pratica, salienta a autora, o que ocorre é que os que detêm renda mais alta suprem suas necessidades e resolvem seus problemas no âmbito do privado (por exemplo, através de organizações privadas de assistência médica), com o incentivo da perspectiva neoliberal, porque isso favorece o desenvolvimento do mercado. No entanto, é inegável que o Estado tem um papel importante na dinâmica social por produzir bens e serviços que abrangem o coletivo. Isso é fundamental para a concretização da democracia na sociedade.

Corroborando essa assertiva, Draibe (1988) ressalta que as bases do neoliberalismo estão na focalização, privatização e descentralização, que geram uma situação de assistencialismo e uma desuniversalização das ações. Neste contexto, o corte dos gastos sociais contribui para o equilíbrio financeiro do setor público e à política social cabe somente o papel de solucionar os problemas que o mercado, a comunidade e a família não conseguem suprir.

Os resultados deste enfoque, do ponto de vista social, são o crescimento da pobreza, da desigualdade social, do desemprego e da exclusão social, acompanhados de uma lógica economicista, autoritária e tecnocrática, que é impressa pelo poder executivo. No campo político, configura-se uma crise da democracia e, no campo cultural, um aprofundamento do individualismo, do consumismo e do pensamento único (DRAIBE, 1988).

No Brasil, apesar da ocorrência do processo de redemocratização em curso, estabelecido principalmente com a promulgação da Constituição de 1988, verificam-se profundas desigualdades sociais as quais são vivenciadas mais visivelmente pelos idosos, pois os que hoje têm sessenta anos e mais, em sua grande maioria, tiveram pouco acesso à educação formal e, por força do sistema de governo vigente entre 1961 e 1984, tiveram pouquíssimas chances de realizar propostas de gestão democrática ou participativa, ou delas participar, ou seja, a maioria desses idosos vivenciam um processo de despolitização (Canôas, 1995).

Essa realidade é consubstanciada por Goldman (2004) em pesquisa recente, envolvendo idosos, na qual se verifica uma descrença por parte destes quanto aos rumos políticos do país e, ainda, uma compreensão restrita da dimensão política (entendida por muitos como política partidária) esvaziando, assim, seu sentido mais amplo e contribuindo para o desempoderamento desses idosos, conforme analisa Bobbio (1993 p.954): “política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana, está ligada estreitamente ao conceito de poder.” Se os idosos não ocuparem seu espaço político, certamente outros o ocuparão o que traz repercussões graves para a conquista da sua cidadania no contexto democrático, especialmente na democracia participativa. Outro fator que fortalece o distanciamento dos idosos do processo político é a não obrigatoriedade do voto a partir dos setenta anos.


3. Atores, personagens e cenário envolvidos na construção das políticas e direitos dos idosos

A propagação do fenômeno envelhecimento e de suas questões foi inicialmente promovida pelas organizações internacionais (Organização Mundial da Saúde e organização das Nações Unidas) que tiveram papel fundamental na análise e comunicação do impacto do envelhecimento sobre os países em desenvolvimento na tentativa de estimulá-los a adotarem medidas para o enfrentamento dessa realidade. Entre essas medidas, duas tinham destaque especial: no campo da saúde, fomentar o envelhecimento saudável e, no campo social, lutar pelo envelhecimento com direitos e dignidade (Goldman, 2004).

A partir disso, em meados da década de 1980, toma ímpeto o movimento da sociedade civil com novos atores em cena, entre eles professores universitários, associações, idosos politicamente organizados e alguns parlamentares comprometidos com questões sociais, exigindo a valorização e o respeito à pessoa idosa. Esse movimento influenciou a construção da Constituição Cidadã (1988), primeira Constituição da República Federativa do Brasil a versar sobre a proteção jurídica ao idoso, a qual impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar os idosos (Uvo; Zanatta, 2005).

Apesar dessas conquistas, até 1994 não existia no Brasil uma política nacional para os idosos; o que havia era um conjunto de iniciativas privadas (já antigas) e algumas medidas públicas consubstanciadas em programas (PAI, Papi, Conviver, Saúde do Idoso) destinados a idosos carentes. Era mais uma ação assistencial em “favor” deles do que uma política que lhes proporcionasse serviços e ações preventivas e reabilitadoras (Schons; Palma, 2000).

Para o enfrentamento dessa realidade, os idosos buscam fortalecimento no espaço público gerado pelo movimento social, fóruns e Conselhos de idosos, que lhes permitem se posicionarem pela concretização de ideais democráticos, como a conquista de sua cidadania, reinventando sua própria velhice (Bredemeier, 2003). Também contribui para isso sua significância numérica e qualitativa e sua presença no cenário político por meio do voto e da representação.

Cabe destacar que as autoridades governamentais brasileiras só iniciaram/intensificaram sua mobilização em prol de políticas específicas para os idosos (até então esquecidos) a partir de efeitos produzidos pela sua organização sócio-política e, ainda, dado o impacto negativo, com repercussão nacional e internacional, originada pela tragédia ocorrida em 1996, no Rio de Janeiro, na Clínica Santa Genoveva (clínica privada, custeada por recursos públicos de saúde), onde ocorreu a morte de uma centena de idosos.

Conforme verificamos, a percepção do problema social da velhice e a proposta de políticas públicas são resultantes de um processo de negociação em que se realiza o diálogo entre os sujeitos do problema (a sociedade e o movimento social dos idosos) e os agentes das políticas (Estado e instituições) na busca de co-responsabilidade democrática pela preservação dos direitos e garantias sociais (Paz, 2002).

Essa politização dos idosos, especialmente dos mais escolarizados, associado aos ideais dos tempos pós-industriais, trouxe à pauta algumas questões culturais que favorecem um novo modo de pensar e agir no âmbito do envelhecimento que, de algum modo, tem influenciado as políticas públicas e os direitos dos idosos: a primeira foi a quebra da centralidade do trabalho, como valor maior na visão de mundo da sociedade (aspecto dominante na sociedade industrial), o que permitiu ao idoso construir sua identidade numa ótica de não trabalho, mas de utilidade e sentido da vida; a segunda é o pluralismo de idéias, de comportamento e de atividades, como valor, quebrando estereótipos ideológicos e comportamentais; a terceira é a valorização da subjetividade como um plano importante a ser incluído em todos os níveis da vida, da ciência e das políticas (Minayo, 2000).

Uma vez delineadas algumas implicações do envelhecimento sobre o sistema social e pontuados alguns percursos adotados pelos idosos, sociedade civil e Estado para a efetividade do conjunto de políticas e leis imbuídas de proteger o cidadão idoso, passamos a discorrer sobre os princípios e estratégias incorporadas nesses dispositivos legais, para melhor clarificar as conquistas e os desafios a serem enfrentados pelos idosos brasileiros na contemporaneidade.


4. Avanços conquistados pelos idosos com a Constituição de 1988

Os direitos dos idosos assegurados na Constituição de 1988 foram regulamentados através da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (Lei nº 8.742/93). Entre os benefícios mais importantes proporcionados por esta Lei, constitui-se o Benefício de Prestação Continuada, regulamentado em seu artigo 20. Este Benefício consiste no repasse de um salário-mínimo mensal, dirigido às pessoas idosas e às portadoras de deficiência que não tenham condições de sobrevivência, tendo como princípio central de elegibilidade a incapacidade para o trabalho (Gomes, 2002), objetivando a universalização dos benefícios, a inclusão social.

Apesar disso, essa política pouco vem contribuindo para a construção da cidadania, pois aqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza possuem tantas necessidades básicas não atendidas que um salário-mínimo não basta para lhes garantir uma vida digna. Estudos de Sposati (2000), entre outros, demonstram a insuficiência do nosso salário-mínimo que apenas contempla uma cesta básica, configurando a linha da indigência e reduzindo as necessidades humanas à alimentação.

Silva (2006) destaca que o grau de seletividade existente na LOAS faz com que muitos idosos não sejam incluídos nos benefícios, seja por estarem fora do patamar de pobreza ou da faixa etária estipulados pelos critérios da lei (65 anos), seja por não terem acesso aos documentos exigidos ou por não se encontrarem na condição de “incapazes para o trabalho”. Ante essa realidade, a autora acrescenta: para ter acesso ao benefício, a pessoa precisa estar numa condição vegetativa enquanto ser humano, embora haja várias formas de deficiências que não permitem a inserção nas relações de trabalho. Reforçando essa assertiva, destacamos que os idosos, pela falta de qualificação e/ou pela estigmatização cultural, são, no geral, menos competitivos no mercado de trabalho, o que não deixa de ser uma “incapacidade”, pois “os capazes” asseguram a própria sobrevivência.


5. Política nacional do idoso

A Política Nacional do Idoso, instituída pela Lei 8.842/94, regulamentada em 3/6/96 através do Decreto 1.948/96, amplia significativamente os direitos dos idosos, já que, desde a LOAS, as prerrogativas de atenção a este segmento haviam sido garantidas de forma restrita. Surge num cenário de crise no atendimento à pessoa idosa, exigindo uma reformulação em toda estrutura disponível de responsabilidade do governo e da sociedade civil (Costa, 1996). Essa política está norteada por cinco princípios:

1. a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;

2. o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objetivo de conhecimento e informação para todos;

3. o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;

4. o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através dessa política;

5. as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral na aplicação dessa lei.

A análise dos princípios ora expostos permite-nos afirmar que a lei atende à moderna concepção de Assistência Social como política de direito, o que implica não apenas a garantia de uma renda, mas também vínculos relacionais e de pertencimento que assegurem mínimos de proteção social, visando a participação, a emancipação, a construção da cidadania e de um novo conceito social para a velhice.

Para o alcance dessas metas, foi criado um Plano Integrado (Interministerial) de Ação Governamental que manteve a concessão do Benefício de Prestação Continuada e incorporou novas ações: readequação da rede da saúde e assistência social para atendimento integral ao idoso, elaboração de instrumentos que permitem a inserção da população idosa na vida sócio-econômica das comunidades, modernização das leis e regulamentos, desenvolvimento do turismo e lazer, além da reformulação dos currículos universitários no sentido de melhorar a performance dos profissionais no trato das questões do idoso.

Apesar dessa proposição de esforços nas diferentes áreas do governo, a implementação desta política nos Estados revela apenas ações isoladas e incipientes sobre a realidade da pessoa idosa no país, esbarrando num amplo complexo de variáveis que se entrelaçam, entre elas os reduzidos recursos financeiros (Silva, 2006), tornando-a, de algum modo, apenas um ideal.


6. O estatuto do idoso

Na atualidade, o Estatuto do Idoso, criado pela Lei nº 10.741, de 01 de outubro de 2003, estabelece prioridade absoluta às normas protetivas ao idoso, elencando novos direitos e estabelecendo vários mecanismos específicos de proteção os quais vão desde precedência no atendimento ao permanente aprimoramento de suas condições de vida, até à inviolabilidade física, psíquica e moral (Ceneviva, 2004).

Segundo Uvo e Zanatta (2005), esse Estatuto constitui um marco legal para a consciência idosa do país; a partir dele, os idosos poderão exigir a proteção aos seus direitos, e os demais membros da sociedade torna-se-ão mais sensibilizados para o amparo dessas pessoas.

No âmbito desse Estatuto, os principais direitos do idoso encontram-se no artigo 3º, o qual preceitua:

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

Apesar da importância dos aspectos ora explícitos referentes ao Estatuto do Idoso, Neri (2005), ao analisar as políticas de atendimento aos direitos do idoso expressos nesse marco legal, concluiu que o documento é revelador de uma ideologia negativa da velhice, compatível com o padrão de conhecimentos e atitudes daqueles envolvidos na sua elaboração (políticos, profissionais, grupos organizados de idosos), segundo os quais o envelhecimento é uma fase compreendida por perdas físicas, intelectuais e sociais, negando análise crítica consubstanciada por dados científicos recentes que o apontam, também, como uma ocasião para ganhos, dependendo, principalmente, do estilo de vida e do ambiente ao qual o idoso foi exposto ao longo do seu desenvolvimento e maturidade.

Assim sendo, Neri (2005) ressalta que políticas de proteção social, baseadas em suposições e generalizações indevidas, podem contribuir para o desenvolvimento ou a intensificação de preconceitos negativos e para a ocorrência de práticas sociais discriminatórias em relação aos idosos. A consideração dos direitos dos idosos deve ocorrer no âmbito da noção de universalidade do direito de cidadãos de todas as idades à proteção social, quando se encontrarem em situação de vulnerabilidade.

A despeito dessa ideologia negativa da velhice embutida na construção do Estatuto do Idoso, é de fundamental importância que todos os segmentos da sociedade, operadores jurídicos e, principalmente, os idosos, sejam instruídos quanto aos seus aspectos positivos, pois eles precisam conhecer seus direitos para exercê-los e reivindicá-los.


7. Considerações finais

A análise da conjuntura envolvida na construção das políticas destinadas à pessoa idosa revela a força do movimento social dos idosos – “força grisalha”, onde alguns se comportam como verdadeiros atores e protagonistas coletivos na luta pelos seus direitos, por conquistas sociais e pela cidadania. Apreendemos também que as conquistas obtidas pelos idosos só se tornaram mais consistentes quando a sociedade civil esteve aliada com eles na sensibilização do poder público.

Apesar disso, muito ainda precisa ser feito para os idosos, pois, embora essa população tenha formal e legalmente assegurada a atenção às suas demandas, na prática, as ações institucionais mostram-se tímidas, limitando-se a experiências isoladas.

Como salienta Neri (2005), bom seria que chegasse o tempo em que se verificasse a melhoria do nível educacional e do bem-estar da população, pois, neste cenário, talvez não necessitássemos mais de um Estatuto do Idoso. Em consonância com essa autora, destacamos que fica a esperança de que o progresso social e o aperfeiçoamento da democracia possam permitir mudança em nossa maneira de olhar os idosos e em nossa concepção sobre igualdade e universalidade dos direitos. Uma sociedade boa para os idosos é uma sociedade boa para todas as idades.


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RESUMO: Este trabalho traz uma investigação teórica referente às políticas públicas e aos direitos dos idosos observados no contexto brasileiro. Considera em particular as implicações da transição demográfica para o sistema social, alguns percursos trilhados pelos idosos quanto a sua organização sócio-política com vista à conquista dos seus direitos e garantias sociais. Aborda também algumas especificidades no que tange ao marco legal de proteção ao idoso representado pela Constituição de 1988, a Política Nacional e o Estatuto do Idoso.


PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas, direitos dos idosos, idosos.

Fonte: Arquivo na íntegra em PDF

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